Residencial
“os arquitetos não inventam nada, apenas transformam a realidade”.
- Álvaro Siza
A citação de Álvaro Siza assenta bem para descrever o que aconteceu nesta pequena casa na Rua da Levada dos Barreiros, uma rua onde cresci junto da casa da minha avó. Assenta bem, porque a transformação que a moradia sofreu desde que os meus amigos Miguel e Margarida Sardinha quiseram construir uma nova moradia, foi enorme, mas não partiu do vazio. De facto, havia uma pré-existência forte, na qual assentava uma enorme base que ocupava todo o lote de terreno, desde a sua construção original, e que ficou praticamente inalterada mesmo após a intervenção profunda que a moradia sofreu.
Esta base que eleva todo o lote 4 metros acima da cota da estrada, permanece como memoria do que já foi. A grande transformação aparece nos 2 pisos acima desta base, que teriam de se integrar, não apenas em toda a envolvente exterior, mas também com a sua pré-existência original, numa nova intervenção que teria de unir toda a proposta.
Mantendo então uma parte substancial da casa original, nascem 2 pisos. O primeiro, de carater social, mantem uma implantação semelhante à pequena casa que existia. Mas, por cima dele, temos agora um novo piso que suporta o programa mais privado com 3 suites.
Os 2 pisos superiores transformam-se a partir de 2 laminas fortes de betão que definem toda a linguagem da arquitetura, unindo toda a casa numa única proposta estética. Estas “caixas de betão armado” destacadas pela cofragem, cor e textura do betão, atravessam toda a casa, criando uma zona abrigada de entrada na sala, desenvolvendo uma varanda suspensa para o quarto de casal no ultimo piso, e criando as bases para os recortes de janelas que assentam na cofragem.
É a partir destas “laminas de betão” que toda a moradia ganha alguma unidade, criando alguma ilusão de que a casa já aqui existia, desta forma, há muito tempo. Mas não, a casa é muito diferente do que foi, e afirma-se agora integrada no seu tempo, assumindo a sua contemporaneidade, mas integrando-se perfeitamente em toda a envolvente.
O seu pequeno jardim, que se manteve inalterado, é aproveitado em pleno. Entra pela sala de estar e convida a socialização. No interior, a casa desenvolve-se virada para a extraordinária vista da baia do Funchal.
Gosto muito deste projeto, por toda a historia aqui contada, mas sobretudo pelo resultado final de uma casa bem integrada, que soube tirar partido de uma pré-existência muito forte e rígida, onde houve um esforço notável em manter a proposta dentro dos objetivos económicos, programáticos e estéticos. Afinal, uma responsabilidade que assumi com muita gratidão, não fossem o Miguel e a Margarida grandes amigos meus, por quem sinto uma verdadeira e enorme amizade. Para eles os 2, mas também para a Rita e a Catarina que entretanto nasceram, o meu obrigado pela confiança depositada em mim.
Finalizo como iniciei este texto, falando no poder transformador da arquitetura. Mas não falo de invenção, porque nada foi criado a partir de uma tela em branco. A criação partiu da confiança de uma longa amizade, da liberdade que estes meus amigos me deram para poder trabalhar e da visão que juntos tivemos para transformar a casa existente, numa nova e contemporânea moradia. Uma casa cuja arquitetura se afirma de forma tranquila, no meio de casas mais antigas da Rua da Levada dos Barreiros, debruçada sobre o estádio do Marítimo e em pleno Funchal.
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